No fim de 2004, na primeira conversa com uma namorada fora da Internet comecei a descrever minha família, a cada problema que ouvia aquela exclamava “que legal!” e fui ficando invocado até termos um diálogo como este (esqueci as palavras exatas):

– Por que você acha “legal” cada problema da minha família? – perguntei.
– Porque todos são diferentes – essa namorada respondeu.
– Em que meu irmão é diferente? – o acho o único “normal” da família.
– É adotado.

Àquela época, para mim há muito a adoção dele já era trivial, mas ficou ressaltada para tal namorada porque preferia ter filhos adotivos a biológicos, como, aliás, Silvia (Freud deve explicar isso, embora eu não saiba bem como). Aquele episódio ilustra porquê, por ter paralisia cerebral e uma família cheia de problemas – além de considerações mais abstratas –, me desabituei com a normalidade ao ponto de precisar fazer esforço para não colocar aspas nessa palavra e sempre tenho em mente a frase de Caetano Veloso, “de perto ninguém é normal”.

O comportamento da primeira filha de Silvia é dificílimo e alguns aspectos deste foram absorvidos pela segunda, apesar de eu achar que, para ela, esta é a “filha ideal” – ou era antes dessa absorção. A própria Silvia é “normal” em tudo, menos no seu relacionamento comigo. Assim, ela também está um pouco desacostumada com a ‘normalidade”.

Na manhã desta terça, após comer sentada no chão Clara se levantou e foi botar o prato na mesa. Foi um gesto banal, mas depois tanto nossa empregada – cuja filha também é problemática – quanto eu o comentamos com Silvia, encantados, já que precisamos falar, repetir, nos esgoelar para as outras meninas o fazerem. Esse é só um dos exemplos de atitudes “normais” de Clara que deveriam passar despercebidos, mas que nos surpreendem. A “normalidade” pode ser bem estranha!

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