Desde que comecei a usar uma máquina de escrever elétrica em 1980 – digitar eletronicamente desde 1996 –, ouço que deveria publicar um livro sobre minha vida, sugestão que nunca fui capaz de seguir, não sei exatamente porquê e os motivos que darei a seguir podem ser mera confabulação, ao menos em parte.

Jamais achei que minha história valesse um livro antes de casar com Silvia e ser pai, embora antes a paternidade me apavorasse. Essa razão ficou clara ao refletir por quê o comecei só em novembro e concluir que foi então que senti que nosso casamento será duradouro, inclusive sem acabar num desastre. Naquele mês, digitei o prefácio espantosamente numa única tarde, em seguida empaquei no início do primeiro capítulo usando as férias das meninas como desculpa para parar a digitação do livro, a retomei na última semana, fiquei uns quatro dias reclamando que estava penosa, travada, difícil até que, na sexta, adquiriu ritmo próprio, uma lógica interna. Nesse processo, descobri outros possíveis motivos do bloqueio: detestei minhas infância e adolescência, guardei pouquíssimas lembranças destas e até me é desagradável tentar recorda-las; não gosto nada da ideia de expor os assuntos da minha família – isto é, pais e irmãos, pois Silvia já me liberou para falar de tudo; e estabelecer um ponto inicial.

Estimulada por eu ter começado o livro, Silvia ensaiou escrever um seu e, ao comparar ambos os esboços, comentou que meu estilo é mais descritivo e objetivo. Tal comentário me deu dois maus pressentimentos: que meu livro não chegará às cem páginas e vai encalhar, não vai vender um único exemplar, porque vai faltar sentimento – sou muito bom em descrever e compreender processos psicológicos, o que já encantou inúmeras psicólogas, mas sempre naquele estilo. Mas não há como saber se o livro será um fracasso ou sucesso, primeiro preciso digita-lo – depois é que vou pensar como o publicar, vender, etc.

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